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domingo, 25 de setembro de 2011

Notas sobre a música de Pelotas

a música de Pelotas...

A pedido de alguns amigos, republico aqui um texto sobre a história da música de Pelotas, minha cidade natal. Escrevi originalmente este material, em 2005, para uma coluna de cultura que publicava em um portal regional que, por mais que tente, não lembro o nome. É um artigo mezzo pessoal, mezzo documental. Editei alguns trechos e teci comentários atualizados em outros. Não é um trabalho aprofundado. Espero que sirva para refrescar a memória de alguém. Na época, eu pretendia escrever um livro sobre a história da música pelotense entre os anos 1970 e 2000. Um projeto que algum dia talvez possa vir a realizar (alguém aí se habilita?).
Sempre considerei Pelotas uma cidade de criadores. Um espaço de gênese. Muito disso, se dá por conta pelo fluxo constante de estudantes, professores e pesquisadores que circulam pelas universidades. Daí, surgem naturalmente bares, boates, festas, festivais. Um pequeno circuito local… Um universo boêmio. Um terreno fértil. E aqui traço paralelo com cidades como Recife ou Seattle (incluindo a umidade, as chuvas constantes e o clima melancólico). Um tanto desta resistência (ou persistência) das artes – penso – ainda é reflexo do apogeu cultural que a cidade vivenciou no final do século XIX (no qual era responsável pela maior parte do PIB do Rio Grande do Sul) e na primeira metade do século XX, uma economia alicerçada na indústria do charque (e do trabalho escravo) e da agricultura. Um panorama atropelado pelos avanços tecnológicos e pela globalização. Mas que gerou teatros (Theatro Sete de Abril, Teatro Guarany), uma arquitetura eclética inspirada na Europa, bibliotecas, orquestras, poetas, escritores… A partir dos anos 60 e 70, Pelotas empobrece e passa a sobreviver do comércio e do setor de serviços. Por diversos motivos, muitos destes artistas acabam circunscritos ao espaço desta aldeia, não encontram espaço e mercado para expandir. Nunca registraram suas obras em partituras, discos ou programas de televisão. Um polo regional longe demais das capitais.
Bueno, vamos lá!
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CANTE E CONTE A ALDEIA
Uma aldeia sem história não tem identidade, não tem raízes. Mesmo a tradição oral pode cair no esquecimento, ludibriar detalhes e nuances importantes. E um povo sem memória corre o risco de ter que inventar a roda o tempo todo. Vejamos a história da música de Pelotas, digamos, dos últimos 30 anos. Quem é que conhece? Eu não. Sei poucas e esparsas histórias que ouvi ou que vivi.
Um rápido check-up. Nos início dos anos 70, grupos de baile, inspirados, na jovem guarda e no então nascente rock’n’roll, eram a febre nos bailes da gurizada. Santos, Los Lobos e outros. Segundo me disse um dos integrantes do Los Lobos, o hoje massoterapeuta Deloi (já falecido), no auge da carreira, a banda chegou a viajar para Porto Alegre de Rolls Royce. Vejam só! Ainda nos 70, outro destaque seria, é claro, a gênese dos Almôndegas, grupo formado pelos irmãos Ramil (que se bandearam para Porto Alegre), Quico Castro Neves, Pery Souza, Zé Flávio e companhia. Para quem não conhece, o grupo fez um genial trabalho de fusão entre folk, rock e elementos regionais que alcançou status nacional.
Pulamos para os 80. Onde fico mais à vontade, pois já era um piazito. Meus irmãos, Joca e Negrinho, iniciavam a tocar. Acompanhei de perto o boom do nativismo. A proliferação de festivais gauchescos em todo o estado. Vadiava mateira, boina e alpargata. Exemplo disso: colégios criavam festivais. O Gonzaga (onde estudei o 1º e 2º graus) criou a Charqueada da Canção (que durou diversas edições com lançamento de LPs e discussões acaloradas sobre o que seria ou não música regional).O Santa Margarida fez um outro que, se não me engano (aí está o que comento sobre a perda da memória), chamava-se Festival Interestudantil, aberto a todos os estilos musicais. Teve também o Fecompe, Festival de Música Contemporânea de Pelotas, que rolou na boate Verdes Anos, lá pelo meio da década. Aí pintava todo aquele embate de compositores e instrumentistas querendo inovar; outros, conservar; outros ainda, na turma do tanto faz, desde houvesse um palco para tocar. O legal é que fervilhava a criação. Também era o auge do San Remo, grupo de baile onde tocavam os irmãos multi-instrumentistas Tonico e Giovane. Dupla que acabou criando a Escola de Estudos Musicais Milton Nascimento. Aí foi local onde iniciei a estudar bateria, em 1988, e foi berço e ponto de encontro de muitos músicos na época: o pessoal da Brigada Militar,roqueiros, românticos, malucos, sambistas e outros istas.De sopetão, lembro do cantor e compositor Basílio Conceição, o baterista Tony McCarthy, o violonista Pedrão, o flautista Gil Soares, o controvertido Caboclo (atual Edu daMatta), grupo Quintal de Clorofila, Regina Bainy, Glênio Coelho, Kininho Dornelles, Greice Morelli, Javier Mendez, Keke, Hélio Mandeco, Jucá de Leon, Sílvio Castro, Celso Krause, grupo Cambará e muitos outros. Bateristas, cantores, arranjadores, letristas… Bá! Um mundaréu de gente.

Mas a coroação da década foi mesmo com o festival LatinoMúsica. Simplesmente, Pelotas se tornou o foco de atenção da música e da cultura latino-americana. Shows, seminários, debates e muita música rolando pelos teatros, colégios e bares da freguesia. As duas edições do festival (vale salientar que ocorreram na base de envolvimento da comunidade, escambos, parcerias e patrocínio direto, antes da criação das leis de incentivo ), em 88 e 90, propiciaram espetáculos de figuras como Chico Buarque, Mercedes Sosa, Antonio Tarragó Ros, Belchior, Larbanois-Carrero, Luiz Melodia, e dezenas de artistas do estado como Elaine Geissler, Vitor Hugo, Luiz Carlos Borges, Tambo do Bando, além dos artistas e bandas locais como Silvio Castro e Bando de Sandino (projeto coletivo do então Caboclo que chegou a gravar o LP independente “Gibi”), entre outros.
Nesse período, no pop rock, o maior destaque, certamente, era a banda Procurado Vulgo que venceu o 1° Circuito de Rock, promovido pela RBS TV. Na formação original, Índio, Cabeça, Kako Xavier e Fábio “Tela” Cruz. A banda chegou a se mudar para Porto Alegre e gravar um EP. Outro destaque desta cena foi a banda Pós Antes que também lançou um disco. Mas havia muitos outros. O caldeirão fervia. Parecia quase um sonho.
E era. Na virada para os anos 90, o caldo azedou. A era Collor afugentou e calou o sonho de muito artistas. Muitos foram para a Europa. Outros desistiram. Alguns resistiram. Período medíocre. As bandas covers eram o hit do momento. Dá-lhe lambada e grupos de dança de acid house. Mesmo assim, pululavam bandas de rock como a Blues With Feeling, Rerum Novarum, Seu Vigário, Caminho Oculto, Giz de Cera (grupo de MPB que participei), Attro e dezenas de outras bandas. Aí surge o Nirvana, arrasa-quarteirão global. Rola a mudança de postura da gurizada. Surge uma nova geração. Referências mais multifacetadas. E adiós de vez aos solos de sax, à fumaça e ao neon dos anos 80. O mundo é um porre. Viva a misturança, a ironia e a contradição. E ainda é um tempo pré-internet.  Neste cenário, bandas como a ultracriativa The Men-TZ furavam o cerco (sempre acreditei que se eles tivessem se mudado para São Paulo teriam sido um sucesso tão grande quanto Raimundos, Mamomas Assassinas etc). Rolavam também Caso Contrário, Divergentes, Rockanalha (banda de rockabilly no qual também toquei bateria), a eterna metaleira Attro, Orca – A Banda Assassina, Exilados da Capela, Sigma, Sapo, Rosa Negra, Cemitério, Detractor, e algumas bandas de Rio Grande, como a Puberdade, Neanderthal. Na sequência, pintou a Miss Troupe (banda pré-Doidivanas e bastante experimental).
Para encurtar esta opereta, no final dos 90 e início do novo milênio, depois de mais uma queda, o processo de criação musical na cidade foi retomado com maior vigor Talvez um pouco pelas facilidades tecnológicas. Neste cenário, criamos a Doidivanas (banda de rock bagual com a qual lancei quatro álbuns). Novas referências artísticas. Mas aqui neste resumão, muita gente bacana e história curiosas ficaram de fora. Como não falar no dissonauro do rock, o guitarrista Sullivan Mello? E a black music pelotense? Os DJs? A guerreira Helô? Bá, a lista vai longe! O projeto Música Ao Entardecer. Os diversos festivais da bandas no Theatro Avenida. Os shows na praia do Laranjal. O grupo vocal Harmonia. O pessoal do heavy-metal e do hard-core. O satoléptico Vitor Ramil. Giba-Giba. Mestre Batista. As escolas de samba. Projeto Cabobu. E a música erudita? Os eruditos do Conservatório de Música? E os tauras do nativismo. O Círio, festival universitário nativista. E o pessoal do hip-hop? E a velha guarda? Solon Silva. Dona Amélia. Avendano. O bar Liberdade, pô!
E quem mais? Ih… Me esqueci! Viram só que eu estou dizendo? Há tantas lacunas. Em tempos de globalização, aldeia que não se valoriza, não existe. Gracias, McLuhan! Cante, conte e registre a sua aldeia e serás universal. Gracias, Tolstoi!
(site: imaginaconteudo.wordpress.com -Rodrigo dMart (Pelotense))

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